Essa língua/linguagem inconclusiva de Panthalassa – diário liquefeito de Isadora Salazar – se reporta ao tempo interrupto do apartamento subsumido às paralisias da pandemia e logo extravasa para épocas inumanas, no tempo das águas primigênias, quando havia trilobitas, nas antevésperas da coisa humana. Mas o documento dos dias dessa mulher e suas filhas (“Iglu, meu nome é Iglu”) desventra e se atravessa pela história geofísica que transcorre no confinamento do “oceanocasa”, a CasaBarcoNauArcaBaleiaPeixeGaiola, como relato cruciante da crise pessoal e oceânica: panthalassa é a casa acossada pelo informe dos vírus.
Não há causas e efeitos nessa novela de novelas e o que mais desconcerta em Panthalassa é a exorbitância das maneiras (o seu procedimento de montagem e os espaços concretistas nas páginas que são poemas em si e insinuam ritmos e esculturas) e materiais (o texto tanto pode evocar a dualidade da luz em onda e em partícula, quanto citar o Odradek, de Franz Kafka), como se o próprio texto rascunhasse “multiversos possíveis”, como ela o descreve: “E nesse princípio de início, / nesse T de eterno igual a zero / nesse T onde todas as constantes são variáveis / existo Iglu / e / navego sobre as águas ancestrais do Panthalassa”. 

Dennis Radünz
Escritor