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E-book Pássaro Falhado de Thiago Batista

Em um tempo de estímulos para se engajar em defesa de posições, disputas de narrativa, em que todos falam e ninguém lê ou ouve ou vê além da sua bolha, há espaço para o poeta que não abdicou do devir da linguagem que chamamos poesia? Este livro nos responde que sim, apesar de tudo. Este é um tempo tagarela em que o mesmo narcísico e surdo abomina o que escapa ao raio dos seus algoritmos. Mas ser consciente do ofício solitário-solidário que é o ofício do poeta deu a Thiago Batista a paciência para maturar seu primeiro voo na literatura, e pegar pela mão as vozes que ele abraça e que o abraçam e arrastá-las para fora de si. Alheio às modas, nestes poemas antigas vanguardas e novas ancestralidades gingam e jogam na roda. Por isso vejo este Pássaro Falhado como desitinerário de voo, mas também como livro-encruzilhada, em que se atravessam distintos (des)caminhos, Marahus, Andaras, aruandas, naves do nada, flechas, fluxos. Tudo transcriado no laboratório dessa gira seminal e semovente, e que é antes de tudo consciência da tra(d)ição poética. O poeta, embora ainda em seu primeiro livro, já não tem medo de levar adiante a herança de roubar o fogo lírico em que se desdizem e redizem a imagem e a palavra. Borrar para que melhor se veja. Por isso, nenhum código, programa, ou plano piloto é asa bastante para sustentar sozinho esse projeto-desejo de voo; nem só o preto da letra, nem só o branco da página, nem só som ou o silêncio, nem só a foto, nem só a cor e nem só o invisível. Para lê-lo, é preciso antes buscar um olho d´água, aquele que compreende o profundo e o raso, o claro e o escuro, aquele que sabe que o ser se faz de montantes e jusantes, e de um confluir-se. Portanto, este livro-encruzilhada nos provoca barthesianamente a perceber o v/l/er-ouvir enquanto um gesto de intencionalidade inquieta, como jogo de ir-se além, lembrando-nos que a poesia é isto, movimento e não-lugar de fal(h)a.
Clei Souza